Após o seu nascimento, Nosso Senhor foi levado por seus pais ao templo, para cumprir o ritual judaico. Porém, em se tratando do próprio Filho de Deus, esta cerimônia adquire um significado muito mais profundo, estreitamente ligado ao mistério da Encarnação.
Encontramos a essência da Apresentação de Jesus em dois textos da Sagrada Escritura. O Salmo 39[40] profetiza a manifestação do Messias aos povos, e a entrega de si mesmo à missão que o aguarda: “Não vos comprazeis em nenhum sacrifício, em nenhuma oferenda, mas me abristes os ouvidos: não desejais holocausto nem vítima de expiação. Então eu disse: ‘Eis que eu venho. No rolo do livro está escrito de mim: fazer vossa vontade, meu Deus, é o que me agrada, porque vossa lei está no íntimo de meu coração’” (Sl 39[40],7-9).
À luz do Novo Testamento, a Carta aos Hebreus aplica o mesmo texto à Pessoa de Jesus, a Palavra eterna, que veio ao mundo para cumprir o plano salvífico do Pai, levando à plenitude os sacrifícios e holocaustos provisórios da Antiga Aliança: “Jesus aboliu o antigo regime e estabeleceu uma nova economia. Foi em virtude desta vontade de Deus que temos sido santificados, uma vez para sempre, pela oblação do corpo de Jesus Cristo” (Hb 10,9-10).
Jesus se define pela relação com o Pai, que Ele anuncia através de suas palavras e obras: “Quem me vê, vê Aquele que me enviou” (Jo 12,45). Nos últimos dias de sua vida terrena, apresenta-nos a 3ª Pessoa da Trindade, completando a revelação sobre o mistério mais íntimo de Deus. Assim, redimidos e adotados pelo Filho como irmãos, recebemos do Pai a filiação divina, e aprendemos com o Espírito Santo o verdadeiro sentido de família, que caracteriza a própria Santíssima Trindade.
Ao nos ensinar a verdadeira relação com Deus, Jesus mostra que se trata, não tanto de fazer coisas, mas de estar numa intimidade, que nos penetre, atingindo o nosso coração e transformando-o: “Darei a eles um coração íntegro, e colocarei no íntimo deles um espírito novo. Tirarei do peito deles o coração de pedra e lhes darei um coração de carne” (Ez 11,19). Sem isto, a religião não passa de um ritualismo vazio.
Assim, Jesus inaugura uma nova prática religiosa e nos ensina o jeito cristão de rezar. Se não tivéssemos nenhuma outra oração, além do Pai-Nosso, já saberíamos rezar muito bem. O Pai-Nosso é modelo para o nosso diálogo com Deus, calcado na própria relação entre o Pai e o Filho.
Outra novidade absoluta é o sofrimento com um valor de redenção. O sofrimento santifica a própria pessoa, e contribui para ajudar os outros a superar os seus limites, e converter-se de seus pecados. O sofrimento dos inocentes, em favor de culpados, parece contradizer a justiça. Mas, na realidade, aqui se manifesta a solidariedade espiritual de cada um com Cristo e, através dele, com todas as pessoas.
Nosso Senhor nos deixou uma série de gestos salvíficos, canais da graça para transformação do ser humano, em sua caminhada rumo ao destino final, o encontro com Deus. Nós os chamamos “Sacramentos” – os sete sinais, cuja eficácia é garantida pela autoridade dAquele mesmo que os instituiu e os realiza, pelos Ministros, na Liturgia. Cada Sacramento promove nossa santificação, de acordo com as diversas situações e estados de vida em que nos encontramos.
E, para nos proporcionar o acesso a todos esses meios de salvação, progredindo unidos no caminho da santidade, deixou-nos a Igreja: sociedade santa, que tem seu fundamento em Cristo, nos Apóstolos, na Palavra revelada e na Tradição, fielmente guardadas pelo Magistério. E, enquanto espera a consumação dos tempos, a Igreja antecipa, na Liturgia, a celebração das núpcias eternas, com o divino Esposo, nosso Senhor Jesus Cristo.
A Igreja aprendeu, de seu Fundador, a prática perfeita da Lei. Jesus Cristo ensinou princípios morais novos, ou levou à plenitude princípios antes conhecidos apenas parcial ou implicitamente. Dentre eles, a novidade mais transformante é a caridade. Amar o próximo tornou-se a norma para o cristão. E o critério de amar como a si mesmo foi estendido à perfeição máxima: “Dou-vos um novo mandamento: Amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 13,34).
Esta sociedade renovada caracteriza-se, em primeiro lugar, pela justiça. Jesus acentua, que é preciso ser justo, imitando o Pai, pela prática da eqüidade e pelo reconhecimento da igualdade entre os seres humanos. Jesus também enfatiza a paz: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como o mundo a dá” (Jo 14,27). Esta paz não vem dos armistícios temporários, obtidos pela imposição do poder. Nada tem a ver, tampouco, com a quietude da omissão. Ela é dom de Deus, que supera toda experiência humana. Por isso, traz consigo a missão de propagá-la.
Outro elemento básico para a sociedade, que Jesus veio ensinar e, ao mesmo tempo, nos conceder é a bondade. Somente ela pode curar as feridas do ódio, da malícia e da inveja, que o ser humano traz em si, e inflige aos semelhantes. Conforme escreve São Paulo: “Um dia apareceu a bondade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor para com os homens” (Tt 3,4).
A bondade em ativa eficiência gera a solidariedade, imprescindível numa sociedade justa e igualitária para todos. Mas, a solidariedade ainda deve ser ultrapassada, para se chegar ao ideal cristão da verdadeira fraternidade, que seja um modelo para o mundo moderno. Todos estes são elementos fundamentais que devem ser desdobrados e atuados dentro de uma sociedade, verdadeiramente constituída para o bem comum.
Assumindo a natureza humana, Jesus viveu a nossa realidade, para elevá-la, consagrando-a a Deus. Ele se fez humano, para nos “divinizar”. Portanto, somos chamados a construir um mundo melhor, a partir de dentro de nós mesmos, pela busca da santidade, levando-a a impregnar nossas estruturas políticas, econômicas e sociais. Não desanimemos, se esta parece uma tarefa impossível. Ela, de fato, o é, se contarmos, apenas, com nossos recursos humanos. Mas a Providência divina sustenta a obra da criação, para que progrida, até o termo final.
Como ensina São Paulo: “A criação aguarda ansiosamente a manifestação [da santidade] dos filhos de Deus [...] com a esperança de ser, também ela, libertada do cativeiro da corrupção, para participar da gloriosa liberdade dos filhos de Deus. Pois sabemos que toda a criação geme e sofre como que dores de parto até o presente dia” (Rm 8,19.21-22). Então, finalmente, “Cristo será tudo em todos” (Cl 3,11).